Para o filósofo francês, todas as grandes filosofias tentaram fazer com que os homens vencessem seus medos. Hoje, a ecologia se baseia na proliferação do medo.
Todas as
filosofias, assim como as religiões, querem a mesma coisa: salvar os homens do
medo que os impede de viver bem. Só que as grandes filosofias são as doutrinas
da salvação sem Deus e sem a fé.
A
popularidade do filósofo francês Luc Ferry, 62 anos, também é alicerçada na
originalidade de suas frases de efeito. Por exemplo: “A felicidade não existe,
o que existe é a serenidade”. Ou: “Todas as grandes filosofias e religiões
tentaram fazer com que os homens vencessem seus medos. Hoje, a ecologia
política se baseia na proliferação do medo”. Lançada em 2006, Aprender a viver,
sua obra de maior sucesso, vendeu mais de 700.000 exemplares em dezenas de
idiomas. Entre seus últimos livros estão Famílias, amo vocês e A tentação do cristianismo.
Ministro da Educação da França de 2002 a 2004, foi o idealizador da lei que
proibiu o uso de véu por estudantes muçulmanas nas escolas públicas francesas.
Alto, cabelos negros e ondulados, Ferry expôs, entre uma tragada e outra, um
pouco da teoria que mistura filosofia, psicanálise e irresistíveis pitadas de
autoajuda.
Qual é o maior obstáculo à felicidade? A felicidade não existe. Temos momentos de
alegria, mas não existe um estado permanente de satisfação. Separações, a morte
de pessoas queridas, doenças e acidentes são inevitáveis. É por isso que a
busca pela felicidade plena não faz sentido. O que podemos almejar é a
serenidade, algo completamente diferente. Só se atinge a serenidade vencendo o
medo. É o medo que nos torna egoístas e nos paralisa, que nos impede de sorrir
e de pensar de forma inteligente, com liberdade. Os filósofos gregos costumavam
dizer que o sábio é aquele que consegue vencer o medo.
Qual a diferença entre a angústia vista pela
psicanálise e pela filosofia? A
filosofia e a psicanálise lidam com angústias distintas. A psicanálise luta
contra a angústia patológica, o conflito entre o desejo e a moral, uma
tentativa de reconciliar o indivíduo consigo próprio. No entanto, mesmo se
atingíssemos uma perfeita saúde mental, depois de 20 anos de análise bem
sucedida, restaria a angústia metafísica. Aí começa a filosofia, que ensina a
alcançar a sabedoria no sentido da serenidade, não da felicidade.
Com a disseminação do medo, ficou mais difícil
superá-lo? A primeira grande resposta a essa
pergunta nasce na Odisséia, de Homero. O poema conta como Ulisses
vencerá os maiores medos da existência humana: o medo do passado e do futuro.
Ulisses, que vive em Ítaca, uma cidade grega, com sua mulher Penélope, precisa
partir para a Guerra de Tróia. Fica 20 anos longe de casa, imerso no caos da
guerra. A história mostra como Ulisses vai do caos à harmonia, da guerra à paz,
do ódio ao amor de Penélope. Durante 20 anos ele se agarra ao passado, ou ao futuro,
à nostalgia de Ítaca, ou à esperança de voltar a Ítaca. Quando retorna à terra
natal depois de tanto tempo, pode, enfim, viver no presente. Os filósofos
gregos diziam que o sábio é aquele que consegue pensar menos no passado e ter
menos esperança. Se eu me separar, se mudar de casa, se trocar de emprego. O
passado já aconteceu. O futuro é uma ilusão.
Por que o título do seu livro é Aprender a viver? Houve uma mudança no ensino da filosofia, uma guinada da
prática para o discurso decorrente da vitória do cristianismo sobre o mundo
ocidental. A partir da Idade Média a religião assume um papel mais importante
que a filosofia. Ela detém o monopólio do que é a vida beata, do que é a
salvação, e proíbe a filosofia de cuidar dessa questão. É aí que a filosofia se
torna apenas um discurso, uma análise de conceitos e não mais uma prática que
tem por objetivo ensinar a viver. Escolhi o título Aprender a viver para
difundir a ideia de que a filosofia não é apenas um discurso, mas um
aprendizado da vida. Resumidamente, a filosofia é uma concorrente da religião e
da psicanálise.
O ensino da filosofia deveria ser obrigatório
nas escolas? Tudo depende da
forma como ensinamos. Infelizmente, a maior parte do tempo, ao menos na França,
reduzimos a filosofia a um tipo de instrução civil. Apresentamos aos alunos
questões sem respostas possíveis: “O que é o belo?”, “o que é o bem?”, “o que é
o tempo?”. Isso não tem nada a ver com a filosofia. É uma imbecilidade, uma
estupidez. É melhor não ensinar filosofia do que ensinar dessa forma. Se um dia
quisermos que as crianças pensem por si próprias, precisamos ensinar a história
de grandes visões do mundo. Contar, por exemplo, que na filosofia existem cinco
grandes respostas para a pergunta “o que é a vida boa”: a grega, a cristã, a do
humanismo moderno, a de pensadores como Nietzsche e a contemporânea. Isso é
apaixonante. A filosofia não consiste em tentar construir um argumento para
responder a uma questão absurda. A filosofia é aprender a viver.
Como ministro da Educação, o senhor provocou
controvérsia ao banir o uso de véu pelas estudantes muçulmanas e do solidéu
pelos judeus nas escolas públicas. O que o senhor pensa hoje dessa
polêmica? Na França, a polêmica não foi tão grande
quanto nos outros países que não entenderam a nossa posição. Temos a maior
comunidade judaica do mundo, depois de Israel e Nova York, assim como temos a
maior comunidade muçulmana da Europa. Depois da segunda intifada (2000), que
aguçou o conflito entre israelenses e palestinos, houve um aumento enorme de
atos violentos dentro das escolas. As crianças muçulmanas se sentiam
palestinas, embora fossem francesas. E os judeus retrucavam como sendo
israelenses. Mesmo sendo, antes de tudo, franceses. Limitei-me a dizer que, no
ensino fundamental, até os 16 anos, todos os sinais religiosos estavam
proibidos. Mão só o véu islâmico, mas o quipá e a cruz. A decisão se limitou às
crianças, não atingiu as ruas, os adultos. O professor não precisa saber qual é
a religião dos alunos, se são judeus, católicos ou muçulmanos. Ao mesmo tempo,
temos que lutar pela libertação das nossas mulheres e proteger nossas crianças.
O islamismo radical é o nazismo dos nossos dias.
Por que os maiores filósofos do mundo são
gregos e alemães? Tanto no
caso grego, quanto no alemão, o grande motivo é a proximidade entre religião e
filosofia. A filosofia sempre foi a secularização e a laicização de uma
religião já existente. A filosofia grega, por exemplo, é uma versão secular e
laica da mitologia grega. Da mesma forma, toda a filosofia alemã é uma
apresentação racional da teologia protestante de Lutero. Ao afirmar “eu não
quero ler a bíblia com a tradução latina”, “eu desconfio daqueles que estão no
Vaticano”, Lutero resumiu o grande gesto do protestantismo: a busca pela
verdade absoluta. Esse gesto abarca toda a filosofia alemã. Antes da filosofia,
os dois povos viveram momentos muito importantes na religião. Você não tem isso
nos Estados Unidos, nem na França. Ao contrário do que pensam os franceses,
Descartes não é um bom filósofo.
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